A permanência de Jair Bolsonaro em prisão domiciliar expõe, mais do que nunca, o abismo entre justiça e política no Brasil. Desde que o Supremo Tribunal Federal, por decisão do ministro Alexandre de Moraes, manteve o ex-presidente confinado em casa, o país se dividiu entre os que celebram a “vitória da democracia” e os que denunciam uma caçada judicial sem precedentes.

Para uns, a prisão de Bolsonaro é a prova de que ninguém está acima da lei — um recado direto a quem tentou romper a ordem institucional. Para outros, o espetáculo de tornozeleira e vigilância constante soa como vingança travestida de moralidade, uma tentativa de silenciar uma corrente política inteira sob o rótulo de “golpista”.
A verdade incômoda é que o Brasil vive uma guerra de narrativas. De um lado, a Justiça assume o papel de guardiã da democracia; de outro, parte da população vê no STF um ator político disfarçado de tribunal. E no centro dessa arena, Bolsonaro transforma o confinamento em palco, alimentando seu capital simbólico e mantendo viva a polarização que o levou ao poder.
É impossível ignorar o paradoxo: o homem acusado de atentar contra as instituições continua sendo, ele próprio, um dos maiores catalisadores de instabilidade institucional. Enquanto cumpre prisão domiciliar, Bolsonaro não desaparece — ele se reinventa. Seus apoiadores enxergam nele um mártir da direita; seus adversários, um exemplo de justiça tardia, mas necessária.
O que está em jogo não é apenas o destino de um ex-presidente, mas a credibilidade do sistema democrático. Se a prisão é justa, deve ser conduzida com transparência, sem espetáculo nem manipulação política. Caso contrário, o Brasil corre o risco de substituir a arbitrariedade de um poder por outro — trocando o autoritarismo da retórica pelo autoritarismo das togas.
Em tempos de extrema desconfiança institucional, a prisão de Bolsonaro será lembrada não apenas como uma decisão judicial, mas como um ato político de consequências históricas. Resta saber se o país aprenderá com ela — ou se continuará prisioneiro de suas próprias convicções.
